No julgamento realizado na 4ª Turma do TRT mineiro, o desembargador Paulo Chaves Corrêa Filho analisou o caso de uma esteticista que foi contratada em Sete Lagoas, via Skype, para trabalhar num navio de bandeira panamenha. Ambas as partes apresentaram recurso.

 

A empresa de cruzeiros protestou contra a declaração do vínculo com a trabalhadora, reconhecido na sentença. Já a esteticista pediu indenização por danos morais decorrentes da retenção do seu passaporte marítimo pela empresa, entre outros pedidos. Competência da JT e legislação aplicável ao caso - O desembargador apurou que a esteticista passou por seleção verbal e treinamento promovidos por uma empresa chamada Rosa dos Ventos Serviços e Capacitação de Tripulantes, que é credenciada para selecionar e capacitar candidatos para uma empresa estrangeira, a MSC Crociere, que possui uma filial brasileira: a MSC Cruzeiros do Brasil. Ou seja, a Rosa dos Ventos cuida dos aspectos burocráticos como representante ativa das empresas de cruzeiros no contato inicial com o trabalhador, arregimentando e treinando mão de obra para trabalhar nos navios da MSC Crociere. Dessa forma, o contrato, embora somente assinado no navio, foi precedido dessa seleção verbal em nome das empresas de cruzeiros.

Ao analisar os e-mails trocados entre a trabalhadora e a empresa Rosa dos Ventos, o desembargador constatou que o processo seletivo ocorreu em território nacional, o que, na sua visão, derruba a tese patronal de que a Justiça do Trabalho brasileira seria incompetente para julgar o processo. Conforme apurou o desembargador, a esteticista foi efetivamente contratada em Lagoa Santa, via Skype, para trabalhar em navio que navegaria em águas brasileiras e internacionais.

Além disso, a testemunha apresentada pela Rosa dos Ventos confirmou que a entrevista de emprego é presencial em Fortaleza e para outros estados, via Skype. Induvidoso, portanto, que a contratação se deu no Brasil, o que atrai a competência do judiciário nacional, representado pela Justiça do Trabalho, para apreciar e julgar o presente feito, concluiu o relator. Nesse contexto, ficou claro para o desembargador que a esteticista, brasileira, foi contratada no Brasil por empresa estrangeira, com agência, filial ou sucursal no Brasil - a MSC Cruzeiros do Brasil, para cumprir contrato em águas nacionais. A autora participou de treinamentos na Rosa dos Ventos e dela obteve encaminhamento para a contratação. Com relação à prestação dos serviços, o desembargador observou que as rés reconheceram na defesa que a esteticista passou por portos brasileiros, de modo que aplicável a legislação trabalhista nacional. Conforme esclareceu o desembargador, em regra, o trabalho em embarcações é regido pela lei do pavilhão, ou seja, segue a legislação do país em que o navio é registrado.

Entretanto, ele considera esse caso diferente, uma exceção, pois houve pré-contratação no Brasil, o que atrai aplicação da Lei 7.064/82, que regula a situação dos empregados contratados no Brasil para prestar serviços do exterior. Relação de emprego - Quanto ao vínculo empregatício, o desembargador entende que ficou comprovado que a esteticista realmente prestou serviços de forma pessoal, onerosa, não-eventual e subordinada, integrando a tripulação no navio MSC Fantasia, com bandeira panamenha. O relator considerou prejudicado o argumento patronal de que se trataria de contrato internacional de trabalho, de duração predeterminada, porque, conforme decidido, o contrato da esteticista é regido pela lei brasileira, sendo, portanto, devidas as verbas trabalhistas nela estabelecidas.

Confirmando a decisão do juiz sentenciante, o desembargador destacou que o contrato de trabalho da esteticista se deu por prazo indeterminado, de modo que não faz sentido a alegação de que a contratação se deu de novembro de 2012 a maio de 2013. Isso porque os certificados examinados pelo desembargador comprovam que a trabalhadora iniciou os cursos e treinamentos exigidos pela empregadora a partir de 10/09/2012, de forma a comprovar que a partir dessa data ela se encontrava à disposição da empresa. Passaporte marítimo – Em seu recurso, a esteticista pediu a condenação das empresas reclamadas ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes da retenção indevida do documento denominado Panamá book (passaporte marítimo).

As rés também recorreram, negando a alegada retenção do Panamá book e protestando contra a determinação de devolução do passaporte marítimo, imposta pela sentença, sob pena de multa diária de R$100,00, limitada a R$5.000,00. Essa determinação do juiz sentenciante foi mantida pelo desembargador na decisão de 2ª instância. Ele só modificou a sentença na parte referente ao pedido de indenização por danos morais, que tinha sido negado na decisão de 1º grau. Conforme acentuou o relator do recurso, incumbe ao empregador documentar o recebimento e a devolução de quaisquer documentos do empregado, sendo o recibo o documento hábil a comprovar a devolução.

Como se não bastasse, mensagens de e-mail comprovaram que o passaporte marítimo da autora ficou retido na embarcação, de forma que o desembargador considerou irreparável a sentença que determinou a devolução do Panamá book no prazo estabelecido. Foi apurado no processo que a esteticista teve o passaporte marítimo retido quando desembarcou em outro país (Itália), na cidade de Veneza, impotente, assim, para tomar qualquer providência. Ao examinar os inúmeros e-mails juntados ao processo, o desembargador constatou que a trabalhadora, ao chegar ao Brasil, acionou até mesmo o Itamaraty, no intuito de receber o documento, sem sucesso.

Não se pode duvidar que gera incerteza ao trabalhador a indisponibilidade do documento, sabidamente em embarcação em outro país, indispensável à obtenção de trabalho em outra empresa, causando-lhe sofrimento suficiente à caracterização de prejuízo ao seu patrimônio moral, além da lesão anímica, pontuou o desembargador ao modificar a sentença nesse aspecto. O relator não teve dúvidas quanto à culpa patronal que provocou sofrimento e ofensa à dignidade da trabalhadora. Inclusive, ele fez uma comparação com as situações em que o empregador retém a carteira de trabalho do empregado, muito comuns na JT mineira. Por fim, fixou em R$ 5 mil o valor da indenização por danos morais. O entendimento foi acompanhado pelos demais julgadores da Turma.

Fonte:TRT3