Quero, antes de mais, apresentar os meus calorosos e fraternais cumprimentos a todos os presentes, e em particular aos membros da Mesa, Sra Dra Alessandra Camarano e Sr. Dr. João Pedro Ferraz. Desejo também manifestar o meu profundo e reconhecido agradecimento à Organização do XV Encontro JUTRA pelo honroso convite para vir aqui a Belém proferir a Conferência de Abertura deste XV Encontro Jutra.

Finalmente, desejo enviar saudações muito especiais a todos quantos ao longo da História lutaram, a todos quantos lutam e a todos quantos lutarão no futuro pelos direitos de quem trabalha, de quem tudo produz e nada tem de seu a não ser a sua força de trabalho e a sua dignidade.

Os tempos actuais são, como todos sabemos e sentimos, de profundo ataque não apenas aos direitos laborais, mas também aos direitos cívicos, políticos e sociais, tudo isto sob uma capa, sob uma cobertura ideológica, sob uma dogmática, que se pretende de “nova” e até “progressiva”, mas que não passa, afinal, de uma nova roupagem exterior para ideias e políticas de há décadas atrás e, em alguns casos, até de há um século atrás.

A minha interpelação, aqui e agora, é a de que procuremos então dissecar, e de forma aprofundada e rigorosa, o modo como este discurso legitimador se vem procurando impor e os interesses que ele precisamente visa prosseguir e justificar, sem também alimentar quaisquer ilusões acerca quer da natureza de classe do Direito do Trabalho (como se este fosse – que obviamente não é – uma ilha socialista num oceano capitalista), quer acerca da possibilidade do sistema capitalista do Trabalho assalariado se auto-reformar.

A época actual – muitas vezes designada de “globalização” – é, sim, a época do grande imperialismo financeiro globalizado à escala mundial. Deste modo:

a) Com as Novas Tecnologias da Comunicação e Informação (NTCI) verificou- se, antes de mais, o estilhaçamento das noções tradicionais de tempo e de espaço1;

b) Assistimos à mundialização da própria actividade económica capitalista, assente em grandes organizações funcionando em constelação ou em rede, e já não temos, como há cerca de um século atrás, apenas um mercado global para o capitalismo com empresas e economias predominantemente nacionais e um sistema mundializado de transporte de mercadorias, mas sim um capitalismo global, do capital como finança. Temos, pois, uma globalização financeira, de um capital financeiro que é dono das grandes cadeias produtivas, mas que não produz valor, sendo essa a sua principal característica e também a causa da sua própria crise;

c) Dentro da lógica do funcionamento deste capital financeiro global, verifica-se uma transferência da produção dos países de economia capitalista mais avançada (como os Estados Unidos da Améria ou a Alemanha) para os países onde fica mais barato produzir, os chamados países emergentes ou da periferia (como a Coreia do Sul, o Sudoeste Asiático, a Índia, o Brasil), que estão agora a fazer o seu processo de acumulação primitiva, com:

- Destruição acelerada das relações pré-capitalistas de produção.

- Desapropriação das terras colectivas e expropriação acelerada das terras aos camponeses e pequenos proprietários e vinda destes em massa para as cidades, em busca de sustento.

- Desprezo profundo pelas questões ambientais e entrega dos recursos naturais mais essenciais para os diversos países e mesmo para toda a Humanidade (como a Amazónia), à exploração desenfreada das grandes multinacionais, em obediência à lógica do máximo lucro para os grandes interesses económicos e financeiros,

- Constituição, em particular nas cinturas dos centros urbanos mais importantes, de grandes unidades industriais, com utilização intensiva de trabalhadores despojados de tudo, muito mal pagos e em péssimas condições de segurança e saúde.

d) Simultaneamente, ocorre a concentração dos serviços mais qualificados e dos centros de decisão financeira nos países ditos do “centro”, onde se assiste – a par com a já referida deslocalização das actividades produtivas, em particular da indústria, para os países ditos “emergentes”, e a uma consequente diminuição dos operários industriais2 – a uma proletarização crescente dos trabalhadores mais qualificados (como os médicos, bancários, funcionários públicos, advogados, técnicos informáticos, engenheiros e arquitectos), com expropriação dos saberes mais qualificados e a imposição de vínculos cada vez mais precários, salários mais baixos, horários mais extenuantes3 e mesmo a “inempregabilidade” (ou seja, a situação de todos aqueles, em particular os mais jovens, que nunca conseguirão alcançar um emprego e muito menos um emprego compatível com as respectivas qualificações) de um grande número de trabalhadores. Não porque, em particular com as NTCI, não houvesse trabalho e até com melhores condições (desde logo, jornadas de trabalho mais curtas) para todos, mas simplesmente porque as exigências da manutenção das elevadíssimas taxas de lucro dos grandes interesses financeiros não o permitem nem toleram.

Temos, assim, hoje em dia, e pela primeira vez na História, uma classe operária que é mundial e que é constituída não só pelos proletários industriais (cujo número cresce nos países ditos “emergentes” e diminui nos países denominados do “centro”), mas também pelos proletarizados e expropriados do seu saber, em particular nestes últimos países, e ainda pelo “inempregados”, os quais, nem as organizações políticas, nem os sindicatos, nem os juslaboralistas do século XXI podem (continuar a) desconhecer e desvalorizar pois que representam a massa crítica das grandes transformações sociais, políticas e económicas do futuro.

A exploração até à medula, à maneira do século XIX, dos trabalhadores dos países ditos “emergentes” ou de “periferia”, a crescente proletarização dos trabalhadores mais qualificados dos países do “centro” acompanhada de um crescente desemprego e, mais, de um não emprego de trabalhadores, ainda que altamente qualificados, apenas para que o grande capital financeiro consiga manter e até aumentar as suas astronómicas taxas de lucro, tudo isto conduz a que se alargue cada vez mais o fosso entre os que tudo produzem e nada têm de seu e os que tudo têm e nada produzem (como evidenciam as estatísticas oficiais, inclusive da própria ONU - Organização das Nações Unidas, em especial o chamado PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

Mas tudo isto também põe cada vez mais a claro a contradição entre forças produtivas cada vez mais avançadas (inclusive do ponto de vista da tecnologia e dos enormes aumentos da produtividade que ela possibilita e da menor carga e esforço de trabalho que deveriam proporcionar, nomeadamente de tempos máximos e de ritmos de jornada de trabalho, mas que, exactamente por terem sido apropriados por uma ínfima minoria, não proporcionaram) e relações sociais (do trabalho assalariado) que cada vez mais se mostram injustas e impeditivas do progresso social.

E a crise do capitalismo financeiro global que eclodiu em 2008 – e que atingiu primeiro os Estados Unidos da América e alastrou depois a outras zonas do Mundo, designadamente a Europa – mostra, quer onde conduz esta autêntica “economia de casino”, quer a necessidade, cada vez mais premente, de alterar estruturalmente este estado de coisas pois é, afinal, a lógica do lucro do grande capital financeiro que impede, mata e deslocaliza a produção.

Estamos assim perante uma crise, não meramente económica, mas política, de um sistema político de exploração e opressão que procura, com todas as forças e por todos os meios, manter-se e impor-se, buscando apresentar-se como inevitável, inelutável e eterno4.

Ora, o processo de imposição deste modo de funcionamento do sistema capitalista de produção (na fase do capitalismo financeiro global) e das teorias das suas pretensas inevitabilidade e eternidade passa também por um processo de verdadeira destruição dos direitos cívicos, políticos, sociais, designadamente laborais e, precisamente a fim de assegurar a sua manutenção e reprodução, passa igual e necessariamente pela construção de toda uma dogmática, económica, política, mas também jurídica, que forneça a fundamentação e a justificação ideológico-formal para esse mesmo processo de destruição. Dogmática essa que será sempre tanto mais eficaz quanto mais capaz for de iludir a sua verdadeira natureza de classe, a sua verdadeira finalidade (a de aumentar ainda mais os fabulosos ganhos dos grandes interesses financeiros e da ínfima minoria que é deles titular) e a sua função legitimadora desse tipo de sociedade (disfarçada sob a natureza pretensamente técnica e neutral das medidas e soluções preconizadas).

Tal como nos quiseram convencer de que já não seria preciso falarmos em Economia Política, e que quem deveríamos ouvir eram os tecnocratas e “especialistas” do grande capital financeiro (como os da Escola de Chicago)5 – o que é afinal uma ideologia que precisamente visa desarmar-nos e impedir-nos de compreender verdadeiramente as coisas e, mais importante ainda, de querermos e de sabermos alterá-las –, agora os técnicos do pensamento jurídico dominante pretendem impor como “verdades científicas” aquilo que não passa de escolhas e decisões de óbvia natureza política.

Importa, pois, exigir e impor – contra a lógica opressiva e asfixiante desse mesmo pensamento dominante – a discussão, livre e aprofundada, de tudo, pois não podemos, nem devemos, aceitar tabus ou “verdades feitas”, venham elas de onde vierem.

No que respeita às chamadas “reformas laborais” do grande capital financeiro, importa ver que, de uma forma geral, elas assentam sempre num duplo raciocínio (cujos termos, todavia, são sempre convenientemente apresentados com carácter de postulados indiscutíveis e que, por isso mesmo, não podem nem devem ser discutidos):

1oNa época da chamada globalização da economia, só seria possível ter empresas estáveis e competitivas com trabalhadores instáveis, trabalhando incessantemente, permanentemente constrangidos e até amedrontados pela chamada “gestão científica do medo” (o medo de perder o emprego, o medo de perder a casa, o medo do outro, o medo do diferente, o medo do estrangeiro...).

2o A forma de aumentar a produtividade da economia consistiria, sobretudo, na chamada “desvalorização interna”, procurando assim corresponder às exigências do grande capital financeiro e igualando por baixo os paraísos da desregulação social, desde logo com o esmagamento dos custos unitários do trabalho, nomeadamente através de:

a) Restrição ou mesmo eliminação, sob a capa da reforma da Segurança Social ou da Previdência, de importantes direitos sociais (como a diminuição das prestações sociais – subsídios de desemprego ou de doença - ou o abaixamento do valor das reformas, por exemplo). Sempre sob o argumento de que tal se torna “tecnicamente” necessário para equilibrar o orçamento, reduzir o défice e a dívida e diminuir a despesa pública (mas para tapar os buracos das fraudes financeiras na Banca6, para as Parcerias Público-Privadas (PPP), designadamente na Saúde e nas Auto-estradas7, etc., e para diminuir os impostos sobre os rendimentos da capital8 – por exemplo, o Imposto sobre os Rendimentos do Capital (IRC) –, tais “argumentos” já obviamente não se aplicam...).

b) Enfraquecimento drástico ou até mesmo destruição da vertente das relações colectivas de trabalho:

- Debilitando e restringindo os modos de luta (greve9) e de acção (acção sindical na Empresa10) colectivas;

- destruindo a contratação colectiva como instrumento de melhoria das condições legais mínimas, nomeadamente estabelecendo a caducidade das convenções colectivas com a possibilidade de criação de “buracos negros” da sua cobertura, e destruindo o princípio do favor laboratoris, passando a permitir-se que a contratação colectiva estabeleça condições menos favoráveis que as da própria lei11;

- impondo a “individualização” máxima das relações de trabalho e a sua “civilização” (isto é, a aproximação às regras do Direito Civil), com a consagração do predomínio do contratado (sobretudo individualmente), ainda que menos favorável, sobre o legislado e o consequente desequilíbrio estrutural de poderes a favor do empregador (designadamente em matéria de fixação de horários, de locais de trabalho e de funções exigíveis ao trabalhador), tudo sob a capa da falácia do pretenso “encontro de vontades”, da “liberdade contratual” e da “autonomia da vontade das partes”.

- alargando, com base em particular na facilitação do uso da contratação precária (do trabalho temporário e dos contratos a termo, ou a prazo, e ainda dos “contratos de muito curta duração” aos contratos ditos de “prestação de serviços”) a imposição, ao jeito de verdadeiros contratos de mera adesão, de retribuições miseráveis12, de horários próprios do século XIX, da ausência de condições minimamente dignas de segurança e saúde no trabalho, etc.
 
c) Definição e aplicação de reformas laborais que, para além da diminuição drástica dos direitos sociais, passam sempre – como também em larga medida passaram em Portugal13 – por:
 
- Tornar fáceis e baratos quer a contratação precária quer os despedimentos, designadamente os despedimentos por causas alegadamente económicas14

- diminuir os salários e as retribuições, inclusive abaixo do valor da força de trabalho (ou seja, do montante indispensável para assegurar a sua manutenção e reprodução);
 
- aumentar os tempos e intensificar os ritmos de trabalho;
 
- baixar as contribuições patronais para a Segurança Social e reduzir os direitos sociais e em particular as pensões de reforma (não raras vezes empurrando os trabalhadores para o sector privado dos seguros, com “soluções” ditas alternativas como os PPR-Planos de Poupança Reforma e Fundos de Pensões).

Acontece ainda que, não raras vezes, tem sido defendida – e inclusive pela própria OIT (Organização Internacional do Trabalho), e não só para a Europa como para fora dela15 – a adopção de um outro tipo de medidas, ditas de criação de emprego, mas cujo resultado é o de acabar por aumentar ainda mais a precarização laboral e contribuir para o abaixamento geral dos salários.
 
Desde logo, ao permitir legalmente16 a contratação a termo ou a prazo de jovens à procura do primeiro emprego ou de desempregados de longa duração para ocuparem postos de trabalho permanentes, ou o emprego de desempregados inscritos nos Centros de Emprego. Ou o estabelecimento, como condição para eles poderem receber o subsídio de desemprego, da sua colocação em empregos ditos formais, mas com salários muito inferiores ao salário mínimo nacional, em acções ditas de formação muitas vezes por completo desfasadas da realidade, ou ainda em outros tipos de ocupação profissional com direitos reduzidos, tudo na famigerada lógica da chamada “evolução” do welfare para o workfare (e, claro, da fraudulenta diminuição das estatísticas do desemprego).
 
Temos também os chamados “estímulos à criação do próprio emprego”, promovendo a transformação de trabalhadores por conta de outrem que se encontrem desempregados, em empresários em nome individual através da constituição de sociedade unipessoais, ditas prestadoras de serviços. Ou a diminuição dos descontos patronais para os empregadores que celebrem novos contratos de trabalho, com a consequente debilitação financeira do próprio sistema da Segurança Social e a subsequente defesa da necessidade da “reforma” deste, entendida esta sempre como significando a diminuição dos direitos dos trabalhadores, quer ainda no activo, quer após a reforma.
 
Exemplos bem significativos de todos estes tipos de medidas no Brasil são, nomeadamente, a Lei no 13429, de 31/3/17, que alargou a possibilidade da terciarização das chamadas “actividades-meio” para todas as actividades, e a Lei no 13467, de 14/7/17 que alterou mais de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e que, entre outros pontos, consagrou o famigerado princípio do predomínio do contratado sobre o legislado e permitiu a redução do salário no trabalho no domicílio e o aumento da jornada de trabalho até às 12 horas diárias.
 
Creio que os resultados já conhecidos no Brasil relativamente a todas estas medidas confirmam aquilo que já amplamente se conhece na Europa – um aumento geral da precariedade nas relações de trabalho17, a diminuição dos salários18, a intensificação da exploração dos trabalhadores19, o aumento da pobreza20, o incremento da concorrência entre trabalhadores, dentro da velha lógica do “dividir para reinar”, bem como a progressiva rarefacção e a assim promovida e provocada incapacidade da legislação laboral ainda existente para regular minimamente as relações de trabalho21.
 
Ora, certo é que todo este conjunto de medidas, só aparentemente técnico-jurídicas, mas realmente político-ideológicas, é sustentado e legitimado por todo um ideário não só do campo político geral, mas também do âmbito da própria dogmática juslaboralista, que importa então pôr a claro.
Esse fundo, que, repete-se, nada tem de “técnico”, assenta num conjunto de concepções básicas que se impõe analisar criticamente, e algumas das quais, aliás, já foram, entretanto, sendo assinaladas, a saber:

1. Desvalorização do Trabalho como instrumento de afirmação e realização pessoal e social, e promoção permanente e absoluta dos valores do poder, do dinheiro e do “sucesso” a todo o custo.
 
2. Pregação de um individualismo feroz, o qual passa pela concepção de todos os outros, a começar pelos próprios companheiros de trabalho, como adversários a ultrapassar, senão mesmo como inimigos a “abater”, e pela consequente defesa da “lei da selva” nas relações pessoais e nas relações sociais.
 
3. Gestão “científica” do medo, do medo do estrangeiro, do deficiente, do diferente, do “outro”, simplesmente22 – pois que é muito mais fácil dirigir e controlar cidadãos, e cidadãos trabalhadores, permanentemente amedrontados, divididos, instáveis e incansáveis, (sobre)vivendo e trabalhando como autênticos novos escravos.
 
4. Desprezo e ataque aos mais fracos e mais vulneráveis, apresentados como seres “inferiores” e fonte de encargos e despesas escusados, que apenas prejudicam os restantes membros da sociedade. E assim se trata sempre de:

- Fomentar, por todos os meios, o conflito, em vez da solidariedade, intergeracional;
 
- Apontar os que ousam lutar e reclamar, como “retrógrados”, “resistentes à mudança”, “privilegiados”, “inadaptados” e, sobretudo, “trouble makers” que se imporia afastar, punir e sanear rapidamente – é a famigerada tese de que “não há problema enquanto alguém (no mínimo, ignorante e no máximo, mal-intencionado) não fizer disso um problema”. Como com o sistema capitalista financeiro globalizado temos “gente a mais” para manter a exploração ao nível da cúpula financeira, a “solução” que o capitalismo reserva para essa gente é a de – na lógica das soluções malthusianas – fazê-los “morrer à fome”, embora haja na sociedade recursos mais que suficientes para garantir a subsistência de tais pessoas, com a consequente legitimação das medidas da “solução final” para elas e a “tolerância zero” para com os mais vulneráveis, afirmando assim, como valor superior (e tal como justamente assinala Hannah Arendt) a sobrevivência dos mais aptos e dos considerados “superiores”;
 
- definir os desempregados como “piegas” e “vadios”, que não querem é trabalhar e, para os que trabalham em condições miseráveis, repetir-lhes milhentas vezes que “mais vale um mau emprego que emprego nenhum” e que devem fazer da precariedade “uma oportunidade e não uma dificuldade23;
 
- apontar os idosos como gente que está cá “a mais” e a consumir recursos que fazem falta aos mais jovens (não se justificando, por exemplo, que se gaste com eles cuidados de saúde, em particular os mais caros, como os oncológicos ou de hemodiálise) e negando-lhes o direito a, após uma vida inteira de trabalho, usufruírem de uma velhice com dignidade;
 
- referir os doentes e deficientes como alguém que representa uma despesa sem retorno e, logo, um fardo que seria forçoso, e legítimo, designadamente em nome da “necessidade” (por exemplo de definir “prioridades”), alijar e deitar fora;
 
- manter, sob um ideário profundamente machista e (mal) disfarçado por meras declarações abstractas sobre a igualdade dos sexos24, um tratamento profundamente discriminatório relativamente às mulheres trabalhadoras, sempre as últimas a serem contratadas e as primeiras a serem despedidas, e sempre com remunerações muito inferiores às dos homens25, fazendo delas (como também e nomeadamente de trabalhadores de minorias étnicas e/ou imigrantes, quer legais, quer sobretudo ilegais) um forte factor de agravamento das condições de trabalho e abaixamento dos salários em geral26.
 
5. Utilização de uma linguagem pretensamente técnica (e até frequentemente em língua inglesa...) para assim procurar ocultar e mistificar a verdadeira natureza das medidas. Deste modo, o encerramento de escolas, de centros de saúde e de maternidades é apresentado como mera “reorganização do mapa”; a restrição dos direitos sociais e o abaixamento das pensões como “garantia de sustentabilidade”; os despedimentos como “eliminação das gorduras supérfluas” ou ainda da implementação da “lean production” ou de “processos de downsizing”; os cortes nos salários como “reajustes”; o aumento dos poderes patronais quanto à fixação dos tempos e locais de trabalho e das funções exigíveis ao trabalhador como “mobilidade temporal, geográfica ou funcional”, ou “aproveitamento de sinergias”, etc., etc., etc. E tudo isto a par com verdadeiramente científicos e maquiavélicos mecanismos de manipulação das massas, designadamente com o uso das redes sociais, e com a acrítica e mesmo bestializada mobilização dos “nossos” contra “os outros”, com a utilização do ódio e do insulto como instrumentos para simplesmente rebaixar os adversários, com a completa, intencional e programada falsificação dos factos e a sua substituição pelas verdades “oficiais” e “alternativas”, através da persistente utilização de uma linguagem tão aparentemente simples quanto ficcional, feita essencialmente de meros “slogans” e “sound bites” (de que, por exemplo, o Facebook, mas sobretudo o Twitter, são instrumentos privilegiados).
 
Do ponto de vista jurídico-formal e da construção do discurso legitimador deste ataque aos direitos não só laborais como também civis e políticos, é muito interessante verificar como se assiste a uma interessante, retrógrada e até terrorista combinação – designadamente em nome da pretensa necessidade de desmantelamento do Direito do Trabalho ou então da edificação de um Direito do Trabalho “de emergência”, ou “da”, ou “na”, crise – de concepções ultra-liberais (por exemplo, as dos gurus da famigerada Escola de Chicago) com as concepções institucionalistas e autoritárias do centro da Europa dos anos 30. Deste modo, ao individualismo extremo, chamado a legitimar, em nome da “liberdade contratual” e da “autonomia da vontade das partes”, o predomínio do contraente mais forte – o empregador – e a enfraquecer a dimensão das relações colectivas de trabalho e os sentimentos e laços de solidariedade, juntam-se então as teses institucionalistas e autocráticas. Teses estas que isolam o indivíduo em organizações de massa indiferenciadas, tornando-o assim facilmente manipulável e dominável, que apresentam a sociedade como um corpo social constituído por sub-corpos sociais (como a Família, a Escola e a Empresa) em que, pelo chamado princípio da liderança (“Führerprinzip”), todos eles têm de ter um chefe (ou “duce” ou “führer”) indiscutível e indiscutido, e o qual, ao nível da sociedade em geral, constitui a fonte legitimadora de todas as normas. E, assim, dentro da lógica destas concepções e para usar a expressão de Carl Schmitt, o grande construtor da dogmática jurídica nazi, “O Fuhrer é quem protege o Direito”.

Deste modo, de um ultra-positivismo legalista se passa, então e consoante as conveniências do momento, para uma versão modernizada da famigerada e tristemente célebre teoria do “pensamento da ordem concreta”, estruturante do pensamento jurídico-político do III Reich. E que foi reeditada depois, na altura do Presidente dos EUA George W. Bush, pelo jurista Antonin Scalia (que depois chegou a juiz do Supremo Tribunal...), sob a forma da “teoria do executivo unitário”, consistente em que se o “Führer” ou o Presidente – enquanto Autoridade Executiva Absoluta – faz alguma coisa, esta tem necessariamente de ser legal, simplesmente porque é o “Führer” ou o Presidente a fazê-la). E é fácil de ver onde rapidamente sempre conduziram este tipo de teses – por exemplo, à tristemente célebre teoria do “memorando sobre a tortura” de John Yoo, que significa afinal isto: os EUA não torturam, logo, se empregam violência nos interrogatórios, designadamente nos realizados no Iraque, isso não pode ser tortura27.

Na sequência daquelas concepções, e assente na ideia de que todo o direito é “direito situacional”, Schmitt construiu então uma teoria legitimadora, de acordo com a qual o fundamento da validade do Direito já não está sequer na norma, mas sim no monopólio decisório de que é titular o soberano ou a autoridade executiva. Assim, a Constituição deixa de ser concebida – tal como ainda o era, por exemplo, por Kelsen – como um instrumento de criação de limites jurídicos ao exercício do poder político. E a fonte de legitimação passa a ser simplesmente a autoridade estatal, a qual “para criar direito, não precisa de ter razão/direito”, e pode assim, em nome dos “interesses superiores” que ela alegadamente personifica e representa, suspender, nos chamados estados de excepção, a própria Ordem Jurídica. É, em todo o seu “esplendor”, a tese do auctoritas facit legem, que foi depois devidamente recauchutada, em plena época da crise financeira do século XXI, para a versão do necessitas facit legem, com o reconhecimento aos Executivos ditos democráticos quer da qualidade de uma espécie de guardiões únicos da Constituição, quer dos poderes de, perante as tais situações ditas de “excepção” (como as de crise política ou financeira), fazerem cessar a aplicação da Lei Fundamental e suspender os direitos nela consagrados, operando assim verdadeiras revisões constitucionais não declaradas. Em Portugal, nos anos 30 do século 20, isto é, em pleno fascismo, já este tipo de teorias – difundidas, entre outros, por Fezas Vital – significavam que para o jurista “fora das normas queridas e sancionadas pelos governantes, não há Direito, logo, não há direitos”.

Mas se este tipo de teses legitimou os maiores e mais horrendos crimes contra a Humanidade cometidos pelos regimes nazi e fascistas, é preciso também dizer, e com toda a clareza, que os juristas que as elaboraram e as desenvolveram têm também as mãos sujas do sangue dessas mesmas atrocidades. Tal como os mais recentes autores e cultores das teses da “emergência financeira”, da “legitimidade dos fins” e da aferição da justeza dos meios unicamente em função da sua maior ou menor “eficácia” para alcançar tais fins são directamente responsáveis, não só pelos desenfreados ataques cometidos por governos ditos democráticos contra os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, como também por todas as respectivas consequências sociais e políticas.

Por outro lado, às exigências neo-liberais da máxima ausência de intervenção do Estado, designadamente na economia (por exemplo, com privatizações em massa das empresas e sectores mais lucrativos), e da máxima desregulação das relações sociais com as relações laborais à cabeça (e com a instituição da lei do mais forte a nível das contratações e o “darwinismo social”, ou seja, a “lei da selva” a nível da sociedade), juntam-se tão curiosa quanto significativamente as exigências da máxima intervenção dos poderes do Estado e dos seus órgãos, designadamente dos legisladores, das polícias e dos tribunais, para perseguirem e punirem os comportamentos sociais e políticos considerados como susceptíveis de porem de alguma forma em causa a ordem política e social vigente. E assim se defende a hiper- regulação e hiper-punição administrativa, disciplinar e até criminal das condutas dos cidadãos e das suas organizações, com o desmesurado aumento, por exemplo, das normas e sanções penais. A perseguição e criminalização da pobreza, bem como dos movimentos de resistência, dos activismos sociais e até dos simplesmente divergentes (na lógica, já denunciada por Chomski, do “quem se preocupa e quando se preocupa é logo acusado de ser político”, subversivo ou até “vermelho”), é assim a reprodução sociojurídica da lógica de funcionamento do capitalismo financeiro global28. E assim se “legitima” e até “normaliza” a perseguição disciplinar e até o afastamento e expulsão dos que pensam e falam diferente, designadamente na Administração Pública, a começar pelos professores universitários, tal como sucedeu em Portugal, no pós-Segunda Guerra Mundial, com 26 dos seus melhores docentes. E se processa agora a perseguição a professores no Brasil sob o lema da “Escola sem Partido”...

De todas estas ideias decorre em linha recta a tese (também ela nazi) de que o direito vigente é sempre legítimo simplesmente porque vigora. E vigora (apenas) enquanto as respectivas normas se conformarem com os objectivos do regime, logo sendo convenientemente esquecidas, reinterpretadas ou até inutilizadas quando tal não sucede. Que é precisamente aquilo que se verifica quando preceitos da lei, e designadamente da lei constitucional ainda vigente, são apresentados como “empecilhos” ou mesmo “forças de bloqueio” à acção governamental e aos objectivos por esta prosseguidos.

Assim, e dentro desta lógica, ao mesmo tempo que, por exemplo, o indivíduo, enquanto tal, é controlado, manipulado e esmagado sob a invocação do “interesse nacional” e a cultura é desvalorizada e atacada e progressivamente substituída por propaganda pura e dura, visando a aculturação e a bestialização das pessoas, o Direito – com a lastimável cumplicidade, activa ou passiva, de uma parte considerável dos juristas – é por completo instrumentalizado relativamente aos objectivos políticos, económicos ou financeiros visados pelo poder político dominante em cada momento, e a aferição da sua legitimidade é restringida ao saber se as suas normas atingiram ou não a finalidade que, por tal poder político, lhes foi apontada29.

Por fim, outro importante sustentáculo desta “nova” dogmática jurídica consiste, compreensivelmente, aliás, na ostensiva e assumida expulsão do mundo do Direito, em nome da pretensa “neutralidade” deste, de todas as concepções e valorações da Justiça e da Ética (tidas como espúrias e estranhas à realidade normativa) e ainda na afirmação crescente de que, como já referido, os fins (designadamente os políticos e financeiros, convenientemente travestidos de “grandes desígnios nacionais”, assim definidos pelo “grande chefe”) justificam todos os meios, por mais brutais, injustos (e mais ilegais e inconstitucionais) que eles sejam. Assim, por exemplo, em nome da contenção da despesa pública e do combate ao défice público, se trata de justificar o legal e constitucionalmente injustificável, como o corte ou a inutilização de direitos (tais como o direito a complementos de reforma estabelecidos há várias décadas na contratação colectiva30, ou o direito à pensão por trabalhador da Administração Pública que sofreu um acidente ou contraiu uma doença em serviço, de que resultou uma incapacidade parcial permanente)31. E logo toda esta tese surge convenientemente embalada com teorias como a do “estado de necessidade financeira” para assim justificar um verdadeiro “estado de sítio não declarado”, com a consequente compressão ou até a supressão de direitos, liberdades e garantias fundamentais. E não apenas no campo dos direitos laborais, mas também no campo mais amplo dos direitos sociais e políticos (por exemplo, com a revisão das leis penais e processuais penais e o aniquilamento de princípios constitucionais essenciais como o da presunção de inocência, e as restrições legislativas às liberdades de manifestação e de organização, designadamente com a defesa cada vez mais aberta da extinção das associações sindicais e dos partidos políticos), num processo grave e preocupantemente similar ao que se verificou com a Constituição de Weimar no início da ascensão do nazismo ao Poder32.

Traço típico da nova versão deste tipo de teorias é, também, o aparecimento, a par dos mais ou menos inflamados discursos moralizadores (arrancando de reais e graves problemas como o da corrupção), de um “activismo judiciário”, com “super juízes” e “super procuradores” mediaticamente promovidos a uma espécie de “salvadores da Pátria”. Os quais, também eles “justificados” pela pretensa legitimidade dos fins que proclamam, actuam e se comportam acima da própria lei33.

No que toca mais especificamente ao Direito do Trabalho e aos direitos laborais, a concretização desta pretensamente nova dogmática laboral passa por pontos já bem conhecidos, tais como:

1. Negação, ou pelo menos progressiva erosão, da autonomia dogmática e científica do Direito do Trabalho como Ramo do Direito, com a pregação da necessidade ou da “utilidade” da sua substituição pelo Direito Civil ou, pelo menos, da sua profunda adaptação aos princípios e regras próprios deste.Idêntica involução se verifica quanto ao Direito Processual do Trabalho (com a desvalorização do apuramento da verdade material dos factos, a admissão crescente do predomínio da forma sobre a substância, a multiplicação de decisões que, sob pretextos meramente adjectivos ou formais, não chegam a apreciar o mérito das causas, etc.).

2. Negação do valor normativo e da eficácia vinculativa – bem sustentada e afirmada por Robert Alexi, por exemplo – dos princípios, e em particular dos princípios próprios do Direito do Trabalho (designadamente os princípios que Hector-Hugo Barbagelata justamente designou de segunda geração34, como os da tutela jurisdicional efectiva, da busca da verdade material, do predomínio do real sobre o formal, do favor laboratoris quanto à articulação das Fontes de Direito do Trabalho entre si, e bem assim dos da interdependência e complementaridade de todas as normas sobre direitos humanos, e da progressividade e irreversibilidade de tais normas).

3. Defesa de um legalismo ultra-positivista, com desvalorização das questões da fiscalização da constitucionalidade das normas e em particular das normas laborais (chegando-se ao ponto, em Portugal, de se ter pretendido sustentar que o Memorando de Entendimento com a Tróica e as leis aprovadas pelo Governo em sua execução prevaleceriam sobre a própria Constituição).

4. Afirmação acintosa e afrontosa do maior desprezo pelos princípios constitucionais mais básicos (como o da certeza e segurança jurídicas dos cidadãos, por um lado, e os da dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência, por outro).

5. Esvaziamento e inutilização prática dos sistemas de fiscalização da constitucionalidade das leis e de defesa dos direitos fundamentais (nomeadamente, e tal como tem sucedido em Portugal, inexistência de declarações de inconstitucionalidade por omissão, salvaguarda dos efeitos entretanto produzidos (ao estilo do “facto consumado”) por leis declaradas inconstitucionais35, custas elevadíssimas para quem recorre ao Tribunal Constitucional, imposição da lógica de que a qualidade da Justiça se afere exclusivamente (ou quase) pelo número de decisões produzidas, o já referenciado largo predomínio das questões de forma sobre as de substância, etc., etc., etc.).

6. Degradação e até inutilização – seja pela sua extinção formal, seja pelo esvaziamento dos meios, materiais e humanos, que lhe estão afectos – dos organismos estatais encarregues, quer da tutela das questões e relações de trabalho (como o Ministério do Trabalho, extinguindo-o ou, pelo menos, integrando os seus serviços noutros ministérios, como o da Economia)36, quer da fiscalização de aplicação das leis, designadamente os da Administração Estadual do Trabalho (como a Inspecção-Geral do Trabalho).

7. Pregação de um autêntico “ódio à jurisdição laboral”, negação da sua especificidade a todos os níveis, e mesmo defesa formal da extinção dos Tribunais e das magistraturas do Trabalho.

Ora, perante tudo quanto antecede, impõe-se agora sublinhar que, como aliás se verificou por toda a Europa, mas muito em especial em Portugal, o resultado essencial da adopção desta “nova” dogmática laboral e das medidas que ela precisamente visa justificar é o empobrecimento drástico e generalizado de quem trabalha ou já trabalhou a vida inteira37 e o aumento das situações e áreas de miséria, a par com uma cada vez maior concentração de riqueza nas mãos de uma minoria cada vez mais ínfima. Vale a pena recordar que, segundo as estatísticas da própria ONU, no ano de 2017, cerca de 1% de toda a população do Mundo se apropriou de 80% de toda a riqueza criada no planeta e 50% da mesma população recebeu... 0% dessa mesma riqueza. Em contrapartida, entre 2010 e 2017, o crescimento da riqueza das multinacionais foi de 13% e só no último ano ascendeu a 762 mil milhões de dólares, ou seja, sete vezes mais que o suficiente para acabar com as situações de pobreza extrema no Mundo!

Mas importa sublinhar também que, como o demonstram claramente dois estudos recentes – um, da OIT, intitulado “Trabalho digno em Portugal 2008-2018” e outro de um investigador universitário, Frederico Cantante, intitulado “O mercado de trabalho em Portugal e nos Países Europeus – Estatísticas 2018”, as medidas preconizadas e impostas pelos grandes interesses que essa mesma dogmática sustenta e legitima afinal também não atingiram nenhum dos objectivos com que se apresentaram e se procuraram justificar

E, assim, tendo, por exemplo, colocado mais de 1/5 de toda a população portuguesa abaixo do limiar da pobreza e expulsado do acesso aos direitos sociais cerca de meio milhão de cidadãos carenciados, tais medidas não determinaram nem nenhum aumento, muito menos significativo, de produtividade da economia portuguesa, nem nenhum acréscimo do emprego, nem diminuíram a chamada “segmentação” (ou diferenciação de condições, remuneratórias ou outras) entre os vários sectores do denominado mercado de trabalho38. Mas, em contrapartida, possibilitaram uma marcada transferência de rendimentos do Trabalho para o Capital e o aumento e concentração da riqueza nas mãos daqueles que já a detinham39. Ao ponto de, em 2018, os administradores das 20 maiores empresas cotadas na Bolsa de Lisboa ganharem, em média, vencimentos e prémios 52 vezes superiores aos dos trabalhadores, chegando nalguns casos a 140 vezes mais. Mais! Segundo o estudo da OIT, “Global Wage Report 2016/2017: wage inequality in workplace”, Portugal é mesmo o país da União Europeia onde as desigualdades de vencimento são mais elevadas...

Em suma, aquilo que a referida “nova” dogmática jus-laboral justificou e legitimou foi, por um lado, a fome, a miséria e o desemprego para quem nada tem e tudo produz e, por outro, o acentuado aumento da riqueza da pequena minoria que nada faz e se apropria do que os outros produzem.

Ora, perante tudo isto, os juristas, e muito em particular os juslaboralistas, não podem nem ser uma espécie de ignaros e obedientes “guardas de Auschwitz”, nem aceitar o papel de meros instrumentos, dóceis e pretensamente neutrais, deste processo de profundo retrocesso social, político e civilizacional.

Não esqueçamos, por isso, que, como bem assinalou Alain Supiot40, o trabalho é parte da identidade humana e “o elemento primeiro do Direito não é o Número, mas o Sujeito”, e este não pode ser reduzido a um mero objecto ou a uma unidade de conta.

E como o mesmo Alain Supiot magistralmente afirmou numa célebre conferência proferida na Escola nacional dos Magistrados franceses, o papel do próprio juiz não é aplicar as leis reais ou supostas da economia, mas aplicar as leis, ponto final. E se é preciso que acompanhe e apoie a mudança na sociedade em que vive, deve fazê-lo cuidando que as relações de trabalho continuem sob a alçada do Direito, que continuem relações civilizadas.

Essa postura passa pela luta, firme e persistente, contra a autêntica “Gleichschaltung” (uniformização e controle absoluto proveniente do topo, na terminologia da teoria jurídica nazi) do pensamento dominante e, desde logo, da denominada “nova” dogmática laboral. Imposta sob os já referidos “postulados” que, de apresentados como indiscutíveis e indiscutidos ao abrigo daquilo que Noan Chomsky apelida certeiramente de “teorias da fabricação do conhecimento”, devem antes passar a ser completamente discutidos e, mais do que isso, cientificamente demolidos. Como passa também pelo combate ao conformismo do chamado “argumento de Vichy”, ou seja, do argumento colaboracionista de que, como os nazis ocuparam brutalmente a França e arrogantemente marcharam sob o Arco do Triunfo, em Paris, seria “correcto” e até “patriótico” aceitar tal ocupação porque supostamente “não há alternativa”.

Contra o discurso mistificatório da pretensa neutralidade, não nos calemos, pois, juslaboralistas brasileiros e portugueses, pois que, se nada dissermos nem fizermos, aceitaremos afinal a “banalização do mal” e enfrentaremos decerto aquilo para que o poeta brasileiro, e resistente contra a ditadura militar, Eduardo Alves da Costa alerta no seu belo poema “No caminho com Maiakóvski”:

“Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão. E não dizemos nada.

Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada!”

Nós podemos e queremos dizer e fazer tudo! Tudo o que for preciso fazer contra a opressão, contra a exploração desenfreada, contra a injustiça!

Não nos esqueçamos de que, ao longo da História, a Humanidade nunca colocou nenhum problema para o qual não se encontrasse concomitantemente a solução.

Há, pois, alternativa, como a Resistência se encarregou de demonstrar e a História de confirmar. E hoje, neste campo da chamada “nova” dogmática laboral, nós, juslaboralistas empenhados na construção de um mundo mais justo, sem exploração nem opressão, é que somos, é que temos de ser, a Resistência! 

Vamos, pois, a essa luta, desmascarando a dogmática laboral dos grandes interesses do capital financeiro e defendendo os direitos, a Justiça e a dignidade de quem trabalha!

E por isso, deste XV Encontro Jutra, no Pará, daqui erguemos a voz e gritamos a todos os opressores e seus colaboradores: Não passarão! Viva a Resistência!

António Garcia Pereira

 

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1 Fazendo, por um lado, com que o “curto prazo” de duas ou três semanas de há umas décadas seja hoje de duas ou três horas apenas e, por outro, que uma informação, um dado ou um fluxo financeiro de milhões circule, num segundo, de um ponto para outro da Terra.

2 A classe operária industrial, nos últimos 20 anos, diminuiu 10% nos EUA e 7% na Europa.

3 É o caso em Portugal dos empregos a “recibos verdes” (isto é, das falsas prestações de serviços) com salários de 500ou 600mensais, e da contratação de profissionais altamente qualificados como, por exemplo, os enfermeiros, a auferirem 2,5à hora.  

4 Recorde-se que, depois da queda do muro de Berlim e do desmoronar dos regimes que se diziam socialistas, Fukuyama proclamou mesmo – retomando, aliás, uma interpretação errada e abusiva das concepções de Hegel – que a História tinha acabado e que o sistema capitalista era, ele próprio, o fim da História, isto é, que tal sistema se teria (tal como a “Ideia” de Hegel) materializado no mundo e, logo, perduraria por todos os tempos.

5 Em Portugal, como de resto um pouco por toda a Europa, as medidas anti-populares mais extremas foram sustentadas e justificadas com o “argumento” de que os meios para combater o défice e diminuir a dívida pública não passavam de uma questão “técnica”, cabendo assim apenas aos “especialistas” e aos tecnocratas a definição de tais medidas.

6 Só desde o início da crise de 2008 foram confiscados aos contribuintes portugueses (que são fundamentalmente os trabalhadores por conta de outrem) cerca de 20.000 milhões de euros para injectar nos bancos onde as maiores fraudes foram cometidas pelos banqueiros, com o Banco Espírito Santo à cabeça.

7 Nas PPP, o risco (designadamente decorrente de o número de utilizadores daquela auto-estrada ou daquela unidade de saúde e, logo, o montante das respetivas receitas ser inferior ao inicialmente previsto) corre inteiramente para o Estado (que paga ao privado a diferença entre o efectivamente cobrado e o previsto), enquanto os ganhos (acaso suceder que afinal as receitas são superiores ao previsto) vai integralmente para os bolsos do privado.

8 Durante o período mais agudo da crise em Portugal, o único imposto que, entretanto, baixou foi, significativamente, o IRC.
9 Designadamente facilitando e aumentando as hipóteses de alargamento da definição dos serviços mínimos e/ou do decretamento pelo Executivo de mecanismos destruidores da greve, como a requisição civil.

10 É o caso da diminuição dos tempos legais de dispensa do trabalho para o exercício das funções sindicais ou, como sucedeu recentemente no Brasil, da forte restrição dos meios de financiamento da actividade sindical, designadamente no tocante à cobrança das quotas.
11 Ainda que com alguns temperamentos introduzidos por alterações legais posteriores, o Código do Trabalho português de 2003 veio precisamente permitir quer a caducidade das convenções colectivas, quer a possibilidade de a contratação colectiva conter tratamento menos favorável que o da lei, respectivamente nos actuais artigos 501o e 3o do mesmo Código.

12 Podendo verificar-se nas próprias estatísticas oficiais (designadamente as dos chamados “quadros de remunerações”, publicados pelo Ministério do Trabalho) que, por referência a um trabalhador com as mesmas funções e com um contrato sem termo, o salário de um contratado a prazo é, em média, 74% do daquele, e o de um contratado sob a capa de uma pretensa “prestação de serviços”, de 55% a 60%! Sugere-se a leitura dos textos “Portugal, um país de escravos”, “Trabalhadores ou escravos?” e “O regresso dos homens de Neandertal ao mundo do trabalho”, da minha autoria e publicados em www.noticiasonline.eu.

13 Assim, muito em particular as Leis no 23/2012, de 25/6, e a no 69/2013, de 30/8, modificaram o regime legal dos tempos de trabalho (designadamente no tocante aos dias de férias e de folgas e aos regimes de adaptabilidade e do banco de horas, da isenção de horário de trabalho e de trabalho suplementar) bem como dos contratos de muito curta duração e dos despedimentos por justa causa “objectiva” (colectivos, por extinção do posto de trabalho e, sobretudo, por inadaptação do trabalhador).

14 A indemnização que é devida a um trabalhador abrangido por um destes despedimentos por justa causa objectiva passou em Portugal, nos termos do arto 366o do Código do Trabalho, de 30 dias de retribuição base e diuturnidades para apenas 12 dias por cada ano de antiguidade e não podendo nunca exceder um montante global superior a 12 meses de retribuição base e diuturnidades.

15 Veja-se, por exemplo, o relatório “Políticas activas de mercado de trabalho na América Latina e no Caribe”, 2016.

16 Cf. arto 140o, no 4 do Código do Trabalho português. 

17 Em Portugal, tem-se assistido a uma autêntica proliferação deste tipo de sociedades comerciais – maxime das “sociedades unipessoais”, inclusive de trabalhadores altamente qualificados como médicos – que encobrem duplamente (pela máscara da “prestação de serviços” e pela circunstância de o alegado prestador ser uma pessoa colectiva) verdadeiras relações de trabalho subordinado, mas que se torna muito mais difícil desvendar e declarar como tal, em particular na situação que se vive na Justiça Laboral portuguesa, e a que adiante se fará referência.

18 Segundo dados oficiais do próprio Instituto Nacional de Estatística (INE), 28,1% dos trabalhadores portugueses ganham até 599por mês e 31,5% entre 600e 899mensais, isto quando o valor do rendimento considerado necessário para um adulto sozinho ter um padrão de vida digno, segundo o relatório da OCDE sobre o rendimento adequado em Portugal, actualizado aos valores de 2017, é de... 1.025mensais.

19 De acordo com o Eurofound (Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho), Portugal é o 4o país dos 28 países da União Europeia com horários de trabalho mais extensos: 1958 horas anuais contra a média EU-28 que é de 1669 horas e 1418 horas na Alemanha. Mais de 76,6% dos trabalhadores portugueses não têm um horário de trabalho normal ou fixo, e em certos sectores, como a construção civil, essa percentagem chega a 85%. De acordo com um estudo da Michael Page (empresa especializada na selecção e recrutamento de quadros altamente qualificados), 87,1% dos trabalhadores portugueses desenvolvem algum trabalho (não pago) remotamente, fora do horário oficial, designadamente à noite e ao fim de semana, além de 61,1% executarem algum trabalho, também gratuitamente, durante as férias. Presentemente, um trabalhador português ganha, em média, metade de um espanhol, cerca de 1/3 de um francês e 1/4 de um dinamarquês, mas é dos que tem que suportar maior carga fiscal (13o em 35 países).

20 A pobreza em Portugal – dos que vivem com privação material severa ou estão há muito tempo fora do mercado de trabalho – atinge 23,3% da população.
21 Portugal é hoje um país onde se estima que a área do chamado trabalho informal, atípico ou não declarado (onde se inclui, também, mas não só, a actividade dos imigrantes ilegais) representa cerca de 25% do PIB, nela não entrando nem se aplicando a lei, designadamente laboral.

22 O papel da figura retórica de conceitos como o “outro” e da violência simbólica que eles acarretam foi estudado, sob a perspectiva da justificação das dominações coloniais, por G.C. Spivac, “The Rani of Sirmur: an essay in reading the archive”, History and Theory, 24 (3), 1985, pp. 247-72. E bem mais recentemente, por M. Backhouse, Grüne Landnahme, Münster, Westfälisches Dampfboot, 2015, especificamente quanto ao conceito de “áreas degradadas” (“degradierte Flächen”), utilizado até na lei para assim justificar a transferência (expropriação) da titularidade de áreas verdes da propriedade de pequenos proprietários para grandes empresas no Estado do Pará. E o mesmo se diga da linguagem policial frequentemente usada em Portugal acerca dos bairros sociais, apelidados de “bairros problemáticos”. Tudo exemplos de que como a discriminação, a exploração, o confisco e a perseguição são justificados e legitimados, aliás, com a contribuição do próprio Direito, definindo as vítimas desses processos como “atrasados”, “inferiores”, “resistentes à civilização e à integração” e, logo, justificadoras da aplicação da disciplina adequada à sua integração social e política. Tal como o próprio Marx já explicara a aprovação na Inglaterra, a partir do Século XV, de várias leis contra a mendicidade e a chamada vagabundagem.

23 O relatório da OIT intitulado “Trabalho digno em Portugal – 2008-2018” assinala (p. 51) que um trabalhador que “nasce temporário tende a ser temporário para o resto da vida” e a possibilidade de transitar para um trabalho permanente é, em Portugal, baixíssima – cerca de 12%, ou seja, 1/4 da percentagem do Reino Unido, da Irlanda ou da Áustria, por exemplo.

24 A ideologia nazi reservava às mulheres as funções “dos 3K” (Kinder – a gestação e criação dos filhos; Kirchen – a igreja e Kürchen – a cozinha, como o lugar a elas destinado no lar).

25 É verdade que no Portugal do fascismo as mulheres eram gravemente discriminadas (tidas como seres inferiores e submissas aos homens, legalmente impedidas de aceder às magistraturas e à carreira diplomática, só podendo casar com autorização do Ministério da Educação - no caso das professoras primárias - ou do patrão – no caso das enfermeiras, hospedeiras e telefonistas e, sendo já casadas, necessitando de autorização do marido para celebrar um contrato de trabalho ou exercer uma actividade económica), mas ainda hoje a situação no mundo do trabalho continua a ser de grave discriminação. De acordo com o chamado “Quadro de Pessoal – Sector Privado”, publicado pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, relativo ao 4o trimestre de 2018, muito em particular nos empregos de mais baixas qualificações (de “estagiários, praticantes e aprendizes”, de profissionais “não qualificados” e de “semi-qualificados”), a percentagem de mulheres é de 39,2% do total desses trabalhadores, enquanto a percentagem de homens é de apenas 29,7%. Tudo isto quando a percentagem de mulheres que, empregadas embora nos trabalhos menos qualificados, têm habilitações iguais à licenciatura ou mesmo superiores (mestrado ou doutoramento) é de 16,7% do total, ou seja, o dobro da percentagem dos trabalhadores homens que é de apenas 8,8%. Por outro lado, nas profissões dos 4 níveis de qualificações mais elevadas (quadros superiores, quadros médios, encarregados e chefes de equipe e profissionais altamente qualificados), as remunerações (incluindo vencimento base e subsídios) das mulheres representam apenas, respectivamente, 59,3%, 78,1% e 85% e – pasme-se! – 24,7% daquelas que são pagas aos homens.

26 Assistimos mesmo ao renascer das concepções mais retrógradas acerca, designadamente, das mulheres e dos homossexuais, tanto no campo mais geral das relações sociais e políticas como no campo mais específico das relações de trabalho. Não é só a ministra brasileira da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, a proclamar que “a nova era começa agora e menino veste azul e menina veste rosa”, bem como que “a mulher deve ser submissa ao homem no casamento”; são também representantes patronais e professores universitários a defenderem concepções próprias de um verdadeiro “feudalismo industrial”. Sobre isto, sugere-se a leitura de “O regresso dos homens de Neanderthal ao mundo do Trabalho” e “Um Bolsonarus juridicus: um homossexual é, necessariamente, um pedófilo”, ambos da minha autoria e publicados em www.noticiasonline.eu.

27 Um dos exemplos mais sinistros desta “teoria executiva unitária” foi a construção, sob encomenda, da teoria de que os indivíduos capturados pelos militares ou agentes secretos norte-americanos, nomeadamente sob a invocação da suspeita de serem “terroristas”, não eram cidadãos dos Estados Unidos (logo, as leis destes não se lhe aplicavam), mas também não eram prisioneiros de guerra (pelo que normas como as da Convenção de Genebra não lhes eram igualmente aplicáveis), razão por que nenhuma lei lhes era aplicável e nenhum direito lhes era reconhecido, e toda a sorte de torturas e atrocidades contra eles cometidas estavam “automaticamente” justificadas, também do ponto de vista jurídico.

28 Sobre esta temática, ver o importantíssimo texto de Guilherme Leite Gonçalves, “Valor, expropriação e direito: sobre a forma e a violência jurídica na acumulação do capital”, I. Boshetti (org.), Expropriação e Direitos no Capitalismo, S. Paulo, Cortez, 2018, pp. 101-130.

29 Em Portugal, mesmo o próprio Tribunal Constitucional enveredou por este caminho (por exemplo, a propósito das propostas de lei visando a alteração do regime legal dos despedimentos). E chegou ao ponto de, no seu Acórdão no 353/2012, de 5/7, permitir e impor que uma norma que ele acabara de declarar inconstitucional (a que determinou, em nome do combate ao défice e à dívida, o corte do subsídio de Natal aos trabalhadores da Administração Pública em 2012) pudesse afinal ver salvos e salvaguardados não só os efeitos jurídicos já produzidos aquando da declaração de inconstitucionalidade (quanto ao subsídio de férias pago no mês de Junho), mas também os que se viriam a produzir no futuro (ou seja, o subsídio de Natal pago em Novembro)!? E o mesmo se diga do Acórdão no 602/2013, de 20/9, que não declarou a inconstitucionalidade de diversas normas da Lei no 23/2012, de 25/6, que, por seu turno, introduziu diversas alterações ao Código do Trabalho, e acórdão esse que justifica as opções normativas em causa por assentarem “em razões conjunturais plenamente válidas, dada a conjuntura particularmente difícil que a economia nacional no seu conjunto atravessa e que está na base dos compromissos assumidos no quadro do Memorando de Entendimento de 2011” (sic!).

30 É o caso do Acórdão do Tribunal Constitucional no 413/2014, de 30/5, que não declarou a inconstitucionalidade da norma do arto 75o da Lei do orçamento de Estado para 2014 (Lei no 83- C/2013, de 31/12) que precisamente possibilitou a cessação, pela empresa do Metro de Lisboa, do pagamento de uns complementos de reforma há muito consagrados no Acordo de Empresa.

31 Assim decidiu o Tribunal Constitucional no seu Acórdão no 786/2017, de 21/11, consagrando o entendimento de que não seria inconstitucional a norma da Lei no 11/2014, de 6/3, que, uma vez mais em nome da diminuição da despesa pública, passou a determinar que um trabalhador da Administração Pública que sofra um acidente em serviço ou contraia uma doença profissional e fique a padecer de uma incapacidade permanente não poderá, porém, acumular a respectiva pensão com o vencimento ou, após a aposentação, com a sua pensão de aposentado.

32 Sugere-se a leitura dos textos “A víbora congelada”, “Anatomia de um ditador, “O ovo da serpente” e “Que esquerda é esta?”, da minha autoria e publicados em www.noticiasonline.eu.

33 Com o precioso auxílio de sempre cirúrgicas e impunes violações do segredo de Justiça (que fazem passar para a opinião pública apenas os elementos que interessam às autoridades judiciárias e às suas teses), assiste-se, de forma crescente, ao jogo perverso de cidadãos serem denunciados, acusados, julgados e sentenciados sumariamente na praça pública, com os respectivos direitos, e desde logo o da presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, totalmente aniquilados. E o processo penal transformado – pelas mãos daqueles que, sendo supostamente os defensores da Lei, se comportam, todavia, como se estivessem acima dela – num processo de abate de adversários políticos e de cidadãos incómodos. Com aqueles que dizem combater a alta criminalidade, maxime a corrupção e os altos delinquentes, a mostrar-se iguais ou piores do que aqueles que eles dizem combater. E com todos os que se erguem contra este estado de coisas a serem logo apodados de estarem do lado dos corruptos e demais criminosos... Sobre esta matéria vsugere-se a leitura dos textos “Silêncios de chumbo”, “A Justiça acima de tudo e o Ministério Público acima de todos?”, “Ministério Público ou desvario público?”, “Carlos Alexandre – em nome da justiça ou em nome dele próprio?” e “Em nome da Justiça, em nome de todos nós”, de minha autoria e publicados em www.noticiasonline.eu.

34 Cf. “Los princípios de Derecho del Trabajo de segunda generacion”, JusLabor 1/2008, p. 17. PP?

35 Como sucedeu com o já citado Acórdão do Tribunal Constitucional no 353/2012, de 5/7, que permitiu o não pagamento dos subsídios quer de férias (em Junho), quer de Natal (em Novembro) de 2012, não obstante ter declarado a inconstitucionalidade das normas da Lei do Orçamento de Estado para 2012 (artos 21 e 25o da Lei no 64-B/2011, de 30/12) que estabeleciam esse não pagamento.

36 Como aconteceu em Portugal com o XIX Governo Constitucional (o governo de Passos Coelho/Paulo Portas) em cuja orgânica (ver arto 2o do Dec. Lei no 86-A/2011, de 12/7) desapareceu o Ministério do Trabalho, cujas competências na área do Emprego foram integradas nas do Ministério da Economia.

37 Calcula-se que mais de 80% do peso das chamadas “medidas de austeridade”, em particular a diminuição de rendimentos e o aumento de impostos, foi suportado pelos trabalhadores por conta de outrem, muito em particular pelos funcionários públicos, pelos reformados e pensionistas.

38 Do já citado relatório da OIT, “Trabalho digno em Portugal 2008-2018”, resulta claro que as medidas das reformas laborais da austeridade não se traduziram em aumento de produtividade (p. 41), “não alcançaram o seu objectivo explícito de reduzir a segmentação do mercado de trabalho” (p. 62). E no estudo de 17/9/18 do economista Eugénio Rosa, intitulado “O caminho para a estagnação em Portugal” e publicado em www.eugeniorosa.com, é assinalado expressamente que “a produtividade por empregado, calculada com base no VAB – Valor Acrescentado Bruto (para não ser influenciado nem por impostos nem por subsídios) tem diminuído desde 2013 para cá.

39 Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística - INE, entre 2010 e 2015, a Parte dos Salários e Ordenados do PIB diminuiu de 36,8% para 34,1%, enquanto a Parte do Excedente de Exploração (de que se apropriam os patrões) cresceu de 41,3% para 43%.

40 Cf. A. Supiot, Crítica do Direito do Trabalho, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2016, p. 352.