Por: Alessandra Camarano – Presidenta da ABRAT

“A GREVE. 

Estranha era a fábrica inativa. 

 

Por: Alessandra Camarano – Presidenta da ABRAT

“A GREVE. 

Estranha era a fábrica inativa. 

Um silêncio na planta, uma distância entre máquinas e homens, como um fio cortado entre planetas, um vazio das mãos do homem que consomem o tempo construindo, e as desnudas estâncias sem trabalho e sem um som. 

Quando o homem deixou as tocas da turbina, quando desprendeu os braços da fogueira e decaíram as entranhas do forno, quando tirou os olhos da roda e a luz vertiginosa se deteve em seu círculo invisível, de todos os poderes poderosos, dos círculos puros da potência, da energia surpreendente, ficou um montão de inúteis aços nas salas sem homem, o ar viúvo, o solitário aroma do azeite.

Nada existia sem aquele fragmento batido, sem Ramirez, sem o homem de roupa rasgada.

Lá estava a pele dos motores, acumulada em morto poderio, como negros cetáceos no fundo pestilento dum mar sem ondulação, ou montanhas escondidas de repente sob a solidão dos planetas.” ( Pablo Neruda)(1)

 

Busco inspiração neste poema de Neruda extraído da obra “Canto Geral”, para tentar refletir sobre as alterações devastadoras ocorridas no universo trabalhista nos últimos 02(dois) anos, já que no dia 21 de janeiro, o Poder Judiciário reabre suas portas, após período de recesso que deveria contribuir para a desconexão daqueles que durante o ano judiciário, conectam-se com os processos, agora eletrônicos, entre teses, prazos, audiências, sessões, julgamentos, publicações e tudo mais que contribui para o estresse da advocacia e ansiedade de quem precisa buscar o sistema de justiça para a tentativa da solução dos conflitos.

Uma desconexão que não desliga o cérebro de quem possui o compromisso social e constitucional com o homem e a mulher, Seres Humanos que precisam do alimento do pão, mas também da dignidade.

O ano de 2019 foi ágil na desconstrução dos direitos sociais e do trabalho que está no cerne da Constituição Federal e que se comunica com as demais fontes de direito. Inicia com Medida Provisória de extinção do Ministério do Trabalho e vai percorrendo os meses com ameaças de extinção da Justiça do Trabalho, com medida provisória que “boletiza” as atividades sindicais, com o incremento do índice de desemprego, “No Brasil, se formos contabilizar o desemprego, mais desalento, mais subutilização, nós chegamos a 28 milhões de trabalhadores. Se acrescentarmos a informalidade, esses dados explodem”(2); declarações de que precisa-se de mais “empregos e menos direitos”; Reforma da Previdência  até chegar á MP 905, que aprofunda as alterações na legislação do trabalho de forma nefasta.

 

Mas o panorama de 2020 é ainda pior e a realidade nos escancara que cada vez mais o Ser humano não está cravado na fonte primordial das políticas públicas de governo. 

Segundo o novo informe da Organização Internacional do Trabalho em 2019, o principal problema dos mercados de trabalho no mundo é o emprego de má qualidade o que leva a milhões de pessoas a aceitar condições de trabalho deficientes.(3)

De acordo com as principais conclusões do informe da OIT, aferida por região, para a América Latina e Caribe, ainda que houvesse crescimento econômico a previsão é de que se aumentasse somente 1,4 ( um vírgula quatro por cento) a empregabilidade nos anos de 2019 e 2020. No mesmo informe, a previsão é de crescimento generalizado da informalidade e má qualidade de trabalho em todos os tipos de emprego. (4) 

 

No Brasil, não há políticas públicas para o crescimento desse nível de empregabilidade e o governo de plantão, impulsiona, sob a falácia da modernização, políticas que reduzem direitos trabalhistas, para que haja crescimento econômico e facilidade para as empresas, em uma lógica perversa que alcunha o trabalhador de “colaborador” e “empreendedor”.

Para o sociólogo Ricardo Antunes, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), “o empreendedorismo é um "mito", que se fortalece em meio ao alto desemprego, ao enfraquecimento das políticas sociais do Estado e às novas tecnologias.” (5)

Diante do crescimento avassalador de um desemprego estrutural, políticas são implementadas para aprofundar a informalidade nas contratações e isolar a classe trabalhadora do seio social e assim impedir mobilizações que realmente farão a diferença.

São empresas sem empregados e empregadas (terceirizadas e de startups) em que se resseca o suor coletivo da mulher e do homem trabalhador, que azeita a força da empatia e da movimentação necessária para a união dos corpos em mãos entrelaçadas que aquece a luta pela dignidade. Plataformas digitais que afastam o convívio com o outro e que os coloca no confinamento dos carros financiados, bicicletas e motocicletas muitas vezes alugadas e uma caixa térmica nas costas que guarda em seu interior o peso que incapacita para a resistência. 

Caixas de até 45 (quarenta e cinco) litros, que lhes envergam a coluna. Caixas pesadas que lhes arrancam a energia diante de uma realidade de até 16 horas de trabalho diários sem nenhum direito que lhes permita o afastamento em caso de adoecimento ou acidente e a aposentadoria digna.

Segundo levantamento do IBGE e Aliança Bike de 2019, dentre o perfil dos entregadores ciclistas de aplicativo, computa-se que “75% ( setenta a cinco por cento) tem até 27 anos e trabalham até 12 horas por dia; 59% ( cinquenta e nove por cento) começaram a fazer entregas porque estavam desempregados; 57% ( cinquenta e sete por cento), trabalham os sete dias da semana; 86% ( oitenta e seis por cento) dizem que a bicicleta é a sua única fonte de renda; 30% ( trinta por cento) pedalam mais de 50 KM por dia durante o trabalho”.(6)

 Não sois homens, máquinas é que sois.

 O último discurso de Chaplin no Filme o Ditador, sofre em tempos de startups uma inversão da lógica da humanização.  Máquinas humanas direcionadas por plataformas digitais de um sistema neoliberal que desumaniza e que transforma homens e mulheres em seres subservientes a um sistema burguês que encanta, que fascina e que os nominam “empreendedores”, enquanto no conforto de seus lares recebem mercadorias, entregues por um “autônomo”, da porta pra fora de suas residências aquecidas, em um simulacro de autonomia que aprofunda as desigualdades sociais. 

Uma contribuição coletiva da sociedade que se volta para seu conforto enquanto outros seres sociais continuam suas corridas diárias pela busca da sobrevivência. Apenas uma parca sobrevivência e que já deixou pelas ruas das grandes capitais, corpos sem vida, sem assistência, sem dignidade. 

2020 está apenas começando e já nos deparamos até com discursos de apologia ao nazismo que dentre tantas aberrações já manifestadas procura acobertar a realidade brasileira de desumanização, de precarização, de falta de conscientização e da necessária e urgente retomada democrática.

Retorno á inspiração de Neruda, “Nada existia sem aquele fragmento batido, sem Ramirez, sem o homem de roupa rasgada.”

O resgate da dignidade e da verdadeira autonomia dos homens e mulheres de roupas rasgadas nos chãos de fábrica é medida imprescindível para o freio que deverá ser colocado nos desmontes sociais. Um freio que somente terá eficácia na inatividade, no silêncio, no desligar dos motores que fomentam a permissão para a escala de decomposição do Ser. 

“Um silêncio na planta, uma distância entre máquinas e homens, como um fio cortado entre planetas, um vazio das mãos do homem que consomem o tempo construindo, e as desnudas estâncias sem trabalho e sem um som.”

 

Fontes:

01 – NERUDA Pablo,  Tradução:Paulo Mendes Campos-Canto Geral, 17ª Edição, Editora Bertrand Brasil, RJ 2011

02-https://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/redacao/2019/09/14/entrevista-sociologo-ricardo-antunes-trabalho-emprego-empreendedorismo.htm?utm_source=facebook&utm_medium=social-media&utm_campaign=noticias&utm_content=geral

03 - (https://www.ilo.org/global/about-the-ilo/newsroom/news/WCMS_670577/lang--es/index.htm)

04 - (https://www.ilo.org/global/about-the-ilo/newsroom/news/WCMS_670577/lang--es/index.htm)

05 - https://economia.uol.com.br/empregos-e-carreiras/noticias/redacao/2019/09/14/entrevista-sociologo-ricardo-antunes-trabalho-emprego-empreendedorismo.htm?utm_source=facebook&utm_medium=social-media&utm_campaign=noticias&utm_content=geral

06 - https://www.estadao.com.br/infograficos/economia,12h-por-dia-7-dias-por-semana-r-936-como-e-pedalar-fazendo-entregas-por-aplicativo,1034668